Autor/s. : Antonio Apércio Klein, Engenheiro Agrônomo, Universidade Federal de Pelotas –UFPel-, RS, e Administrador de Empresas, Universidade do Vale do Rio dos Sinos -UNISINOS-, RS.
1. Introdução
A
indústria de rações é muito importante na dimensão econômica, social e também
no ponto de vista da sustentabilidade.
Sob
o ponto de vista econômico, são produzidas cerca de 870 milhões de toneladas de
rações ao redor do mundo, cujo valor comercial está estimado em US$ 350 bilhões
de dólares. Essa produção é muito concentrada, pois ao redor de 65% da produção
é realizada na China (ca.
175 milhões toneladas, maior produtor mundial); nos Estados Unidos da América (ca. 165 milhões de toneladas); na União Europeia
(ca. 150 milhões de toneladas) e no Brasil, que ocupa a quarta posição (como
país individual = 3ª posição) , com, aproximadamente, 65 milhões de toneladas produzidas
em 2011, o que representa um orçamento acima de 45 bilhões de reais. Os dados
de 2012 ainda não estão fechados, mas, segundo estimativas do
SINDIRAÇÕES, deve ter um recuo no Brasil, de algo em torno de 3% com
relação a 2011. Fontes IFIF, FEFAC e SINDIRAÇÕES.
As
estimativas da FAO são de um incremento na produção de alimentos de 70% até
2050, sendo que a previsão para a produção de carnes é ainda maior, ou seja, de
que a produção de carne de aves, suínos e bovinos deve duplicar e as de leite e
peixe triplicar. Portanto, as expectativas são desafiadoras, e o Brasil, sem
dúvida, coloca-se numa posição muito privilegiada em termos de competição,
pelas vantagens competitivas naturais que tem. Este incremento vai puxar,
proporcionalmente, a indústria de rações.
Na
dimensão social, o setor gera muitos empregos diretos e indiretos. Segundo a
FAO, a indústria de rações emprega no mundo, diretamente, mais de 250 mil
pessoas, e contribui significativamente na produção de alimentos saudáveis e
baratos.
Na
ótica da sustentabilidade, a indústria de rações consome muitos recursos
naturais, representados pelas matérias primas, água e energia. Nesse sentido,
os envolvidos nos processos devem ser muito responsáveis no trabalho visando a
maximizar o uso desses recursos e minimizar os impactos sobre o meio ambiente.
Isso remete a um cuidado extremo tanto na conservação quanto na transformação
das matérias primas e no uso da energia. Sob o ponto de vista da
industrialização, exige que se produza sem cometer erros nos processos
industriais e é para esse foco que o texto dará ênfase.
Outro
objetivo é relatar os principais pontos críticos de infraestrutura
e estrutura que se tem observado ao longo dos últimos anos em diagnósticos e
auditorias realizadas em fábricas de rações os quais têm potencial de impactar
os resultados zootécnicos e econômicos na produção animal.
2. Principais pontos que são ou podem ser causas do não
atendimento das especificações nutricionais causadas no processo de fabricação
de rações e que impactam os resultados econômicos da produção animal.
2.1 –
Necessidade da compreensão e do uso das informações de custos:
Primeiramente,
chama-se atenção sobre a necessidade de uma maior reflexão sobre os impactos
dos custos envolvidos e sobre como utilizá-los no gerenciamento do dia a dia.
De um modo geral, os valores são conhecidos, mas percebe-se que muitos não
conseguem usá-los de forma adequada nas decisões rotineiras, nem usá-los para
defender os investimentos necessários nas fábricas e nos processos de fabricação
de rações.
De
forma aproximada, os custos que envolvem a área de rações numa integração
avícola ou suinícola são os seguintes:
Essa
composição dos custos mostra claramente a importância e o impacto da área de
ração nos custos de uma integração e evidencia como eles devem ou deveriam ser
avaliados e gerenciados.
Como
esse texto visa a abordar mais a parte operacional e a fabricação de rações, o
foco será dado ao último, ou seja, "custo da ração no comedouro". Neste particular, percebe-se que os custos de fabricação
representam somente 2,2 a 4,0% do custo da ração no comedouro, incluído o custo
de depreciação e, portanto, não se deveria ter tanta dificuldade para conseguir
recursos para investir nos processos de fabricação de ração, seja em fábricas
novas, seja em adequações ou em reformas, pois essa pequena parcela de custos
afeta mais de 90% dos custos da alimentação, representados pelo custo da
formulação. Por que isso então acontece?
Essa
composição de custos serve também para alertar as pessoas envolvidas na
fabricação de rações, no sentido de que não podem cometer erros, pois qualquer
erro que seja cometido afetará mais de 90% dos custos e não permitirá o
aproveitamento das matérias primas por parte dos animais. Assim, além de
comprometer o desempenho animal, não estará colaborando com a sustentabilidade,
pois recursos naturais (matérias primas, água e energia de transformação) serão
desperdiçados.
Outro aspecto que fica evidenciado é o fato de que qualquer
processo industrial capaz de agregar valor às matérias primas (como a moagem, o
tratamento térmico, etc.) terá impacto direto sobre o maior custo e, portanto,
há uma grande chance de se ter uma relação de custo/benefício favorável e um
retorno do investimento rápido ao investirmos nestes processos de agregação de
valor.
2.2 –
Necessidade de uma estrutura mais equilibrada:
De
um modo geral, as fábricas de rações, no Brasil, são organizadas em quatro
áreas:
Há
alguns pontos falhos diagnosticados nesta estruturação que estão ou podem estar
afetando negativamente a nutrição animal e consequentemente
os resultados econômicos:
a.
Uma não adequada compreensão ou prática da palavra nutrição. É muito comum
ainda perceber que a nutrição é vista como formulação, ou seja, que os produtos
da nutrição são as fórmulas e não todos os aspectos envolvidos na alimentação
adequada dos animais. Como consequência, alguns
nutricionistas ainda não estão envolvidos e não conhecem o que concretamente
acontece durante o processo de fabricação de rações = "não conhecem a
cozinha". É como se um chef de cozinha de um
restaurante não participasse do fazer a comida. Porém, justiça seja feita, cada
vez mais se observam nutricionistas irem para a fábrica e também participarem
da discussão dos projetos de fábricas novas e de adequações.
b.
Equilíbrio de poder entre suprimentos, nutrição, produção e gestão da
qualidade. De um modo geral, a área de suprimentos é muito forte nas empresas
(pelos custos envolvidos) assim como a área de nutrição. No entanto, a área de
fabricação é, em geral, bem mais fraca e, por isso, tem uma influência muito
menor nas decisões. Esse fato precisa ser revertido, e isso acontecerá se (1)
houver uma compreensão mais holística do que seja nutrição animal; (2) houver
apoio da área de suprimentos e nutrição para área de produção visando a elevar
sua capacitação e sua participação nas decisões; e (3) houver um maior preparo
das pessoas da área de fabricação, tanto na área técnica quanto na de gestão.
2.3 - Necessidade do
estudo aprofundado dos processos e gestão por indicadores:
Na
administração de empresas e de processos, aprende-se desde logo que "só
gerenciamos o que medimos e só gerenciamos bem o que medimos bem". Esse
último aspecto (medir bem) nos remete à importância da amostragem e do correto
manuseio das amostras.
Os
seguintes desafios são diagnosticados com maior frequência
nesse quesito:
a.
As especificações para matérias primas para compra e recebimento existem, mas a
amostragem para liberação dos caminhões deveria ser reavaliada.
b.
Muitas fábricas não têm especificações para os processos industriais (dosagem,
moagem, mistura, peletização, etc.). Outras têm, mas
em número muito restrito. Apenas para dar uma ordem de grandeza, o check list de pontos críticos de
avaliação do Euregap para uma fábrica de rações, é
composto por mais de 400 itens a serem checados. Existem pelo menos 250 pontos
críticos de processo, numa fábrica completa com tratamento térmico, que podem
afetar os resultados zootécnicos dos animais.
c.
Para as especificações existentes, raramente os limites de variabilidade
(máximo, mínimo, superior/inferior) são estabelecidos.
d.
Em outras fábricas, quando os padrões de processos existem e são coletados, não
é feita análise estatística, e os dados não são devidamente gerenciados e
usados. Quando se analisam os dados existentes, em geral apresentam
variabilidades muito além do razoável. Sabe-se que a qualidade dos processos
depende da sua variabilidade, ou seja, quanto menor a variabilidade dos
indicadores do processo em torno do padrão de especificação, melhor é o
processo. Este é um conceito básico da "melhoria contínua", ou seja,
a busca constante da redução da variabilidade. Porém, antes de buscar estreitar
a variabilidade, precisa-se conhecê-la e também se precisa eliminar ou reduzir
ao máximo as causas especiais envolvidas nesta variabilidade. Portanto, antes
de tudo, é preciso medir e conhecer o comportamento dos processos.
Assim,
pelo acima exposto, na deficiência do conhecimento, do estudo e do
monitoramento adequado dos processos podem estar algumas das causas
prejudiciais fundamentais aos resultados esperados na produção animal.
Da
mesma forma, como as especificações (padrões e limites) são fundamentais para o
gerenciamento dos processos no dia a dia, são essenciais na elaboração dos
projetos. É muito comum defrontar-se com projetos que foram elaborados sem
levar em consideração as fórmulas que serão utilizadas e muito menos as
especificações esperadas em cada processo pela nutrição. Assim, muitas fábricas
novas já nascem com muitos processos inadequados, incapazes e cheios de
restrições. Nesses casos, a formulação (+ de 90% dos custos) precisa, a todo
tempo, adaptar-se às restrições existentes. O correto é a fábrica estar
adaptada à formulação e não a formulação ter que se adaptar à fábrica.
2.4
– Compreensão dos requisitos fundamentais de uma fábrica de rações
Alguns
pré-requisitos de fábrica e de processos são necessários para que se consiga
fazer ração de qualidade. Dentre eles, destacam-se:
a.
Projeto da fábrica (diagramação técnica): Baseado nos diagnósticos feitos,
percebe-se que, mais da metade dos problemas do não atendimento das
especificações em fábricas de rações, hoje, no Brasil, tenha origem no projeto,
ou seja, os processos foram mal projetados e não são capazes de entregar os
efeitos esperados. Por exemplo: o sistema de dosagem não é capaz de dosar as
matérias primas com menos de 1% de precisão. Os erros de projetos têm, entre
causas principais: (1) a falta de um estudo aprofundado da formulação que será
usada, (2) a insuficiência na discussão das especificações (padrões e desvios
desejados), (3) a falta de pessoas com capacidade técnica trabalhando no
projeto. Muitas vezes a fábrica é projetada por pessoas que não conhecem quase
nada de nutrição e microbiologia, por exemplo, e (4) o não envolvimento dos
diferentes setores e expertises nas discussões. Em função desses e de outros
fatores, a compra dos processos é feita baseada no preço de aquisição dos
equipamentos e não nos resultados esperados nos processos. Os fabricantes de
ração não deveriam comprar máquinas e equipamentos, e sim processos com seus
efeitos e desvios especificados.
b.
Máquinas e equipamentos que atendem as especificações do projeto: De nada
adianta ter o melhor projeto se as máquinas e equipamentos não entregarem o que
foi projetado para elas.
c.
Automação: É aceito que a automação aumenta a produtividade e a segurança dos
processos, pois garante a repetibilidade. No entanto,
a automação não resolve todos os problemas e precisa ser avaliada dentro de um
contexto mais amplo. A gestão dos processos nunca é dispensada. Por isso, há
fábricas bastante automatizadas que entregam produtos de pior qualidade que
outras mais manuais, que possuem uma gestão de processos e de pessoas muito bem
feito.
d.
Gestão: Pode-se dividir a gestão em algumas dimensões: (1) Geral e de
Planejamento; (2) dos Processos; (3) das Pessoas; (4) do Tempo; (5) do
Conhecimento, etc. Como nesse texto o enfoque é mais o ponto de vista
operacional, far-se-ão algumas considerações sobre a gestão dos processos e das
pessoas.
I. Gestão dos Processos:
Conforme já abordado acima, consiste basicamente no "Só gerenciamos o que
medimos e só gerenciamos bem o que medimos bem". Diz respeito à
necessidade de estudar os processos, definir os efeitos esperados e as causas
que atuam sobre eles, definir os padrões e suas variações e depois monitorá-los
de forma adequada (com análise estatística). Outro aspecto que deve ser
enfatizado é o "medir bem" que remete à importância de uma amostragem
representativa e uma estrutura de análise (laboratório) mínima.
II. Gestão das Pessoas e do
Conhecimento: Precisa-se melhorar a estruturação e repasse dos conhecimentos
técnicos e administrativos dos processos de fabricação de ração para as pessoas
que nelas trabalham. Apesar de várias iniciativas existentes no Brasil, ainda
não temos curso nem literatura suficientes para proporcionar aos nossos
gestores de fábricas de rações conhecimento suficiente e adaptado para que
possam realizar seu trabalho de forma eficaz. A capacitação dos colaboradores
é, em geral, deficiente pela mesma razão. Os aspectos de escalar, educar/treinar
e motivar são fundamentais. Nesse sentido, o ambiente de trabalho é fundamental
e muitas vezes este aspecto é negligenciado.
e.
Estrutura de laboratório: De nada adianta estabelecer padrões de especificação,
sem ter uma estrutura mínima de laboratório capaz de analisar os indicadores
estabelecidos. Essa estrutura pode ser própria ou terceirizada, mas precisa
existir.
Resumidamente,
os fatores de maior impacto sob o ponto de vista pré- operacional, de estrutura
e infraestrutura são os seguintes:
3. Principais pontos críticos verificados nos processos de fabricação
de rações e premixes em diagnósticos realizados e que
podem estar afetando a nutrição animal:
Como
já mencionado, existem mais de 250 pontos críticos no processo de fabricação de
rações que, se não devidamente manejados e controlados, podem, em menor ou
maior proporção, causar prejuízos. Portanto, seria impossível abordá-los todos
aqui. Assim, a ênfase será dada mais aos efeitos esperados do que as causas e
os principais pontos nos principais processos:
3.1 – Avaliação
dos lotes para liberação de descarga:
A
maior parte das empresas possui um conjunto de padrões de especificação para
matérias primas e para liberação dos lotes para descarga. No entanto,
verifica-se, com frequência, que o sistema de
amostragem poderia ser melhorado. Isto é válido também para as coletas de
amostras para avaliação dos processos e para análise de micotoxinas.
3.2 – Recepção,
beneficiamento e armazenagem de matérias primas:
a.
Beneficiamento: São processos necessários para retirar e/ou ajustar os
ingredientes as especificações, por exemplo, de umidade, impurezas (metálicas
ou não). Se não existir a possibilidade do ajuste, o que está fora das
especificações deveria ser recusado ou, pelo menos, ajustado ou minimizado via
formulação. Se isso não for feito, o animal dará a resposta e alguém vai pagar
ou cobrar a conta. Não parece justo favorecer o fornecedor, aceitando matérias
primas fora das especificações, e prejudicar a própria empresa. Portanto, a
transparência é fundamental.
b.
Uso do NIRS: A maior parte das fábricas não foi projetada para usar o NIRS, nem
na forma convencional, ou seja, na análise e na separação de matérias primas em
função de sua composição e/ou qualidade nutricional. Outras têm estrutura que
possibilita a separação, mas o potencial não é aproveitado. Por isso, sugere-se
que esse aspecto seja exaustivamente estudado em fábricas existentes e em
especial em fábricas novas ou em adequações, pois o uso do NIRS pode ser um
importante diferencial de competitividade. Atualmente deve-se olhar com atenção
a possibilidade do uso do NIRS em linha.
c.
Barreiras sanitárias: De um modo geral, este é um ponto bastante falho
verificado em diagnósticos. Quando se fala em barreiras sanitárias, a ideia é obstruir a entrada de pragas (pássaros, roedores,
insetos, etc.) e também do manejo adequado de outros vetores como pessoas
(hábitos de higiene, higiene pessoal e manejo de vestimentas), umidade e
qualidade do ar. Pode-se incluir nessa análise também o controle dos fatores
que afetam os microorganismos, os quais têm potencial de contaminação muito
grande. Assim, o controle e o tratamento do ar e da água são muito importantes.
A água, na fábrica de rações, é originada por infiltrações, goteiras, adições e
condensações. Portanto, todos os processos em que água é adicionada ou que
podem gerar condensações precisam ser muito bem estruturados e controlados.
d.
Problemas estruturais na área de armazenagem: No armazenamento de cereais, os
silos, em geral, são muito grandes e muitas vezes não munidos de termometria e
aeração, questões fundamentais para estocagem por períodos maiores. As moegas,
geralmente, têm sistemas de aspiração deficientes. Na parte de ensacados,
encontram-se problemas de identificação; nem tudo é posto sobre estrados, ou os
estrados são de má qualidade; as paredes e os pisos apresentam problemas; não
há separação adequada de produtos medicados, entre outros. Na estocagem de
líquidos, um dos principais problemas encontrados é a falta de um sistema
adequado de filtragem/peneiragem das gorduras na
recepção; o aquecimento das gorduras de origem animal e óleo de palma (40 a
50ºC) nem sempre é feito, e os diques de contenção devem ser feitos para evitar
riscos de contaminação ambiental e perdas econômicas. Na maioria dos casos, há
diques de contenção, mas os mesmos estão abertos, por que não foram devidamente
projetados para manejar a água da chuva, em função do sistema de separação e
tratamento de efluente inadequado.
e.
Umidade de armazenamento de produtos de origem animal e farelos vegetais:
Verifica-se, com frequência, umidade acima de 12%
para farelos vegetais e acima de 8% para farinhas de origem animal, o que pode
trazer prejuízos, em especial, se o período de estocagem for maior de 15 a 20
dias.
3.3 – Moagem
Os
efeitos esperados na moagem são: (1) o ajuste da granulometria
(DGM), (2) um desvio geométrico médio adequado entre as partículas (DGP) e (3)
o não aquecimento excessivo do produto durante o processo de moagem. Os
principais desafios diagnosticados e observados neste processo são os
seguintes:
a.
Definir o padrão da granulometria e seus desvios:
Quando a ração é farelada, não há maiores problemas, pois há um consenso
relativo, neste caso, de que a granulometria deve ser
grosseira para aves, entre 900 a 1100 micras
(extremos entre 800 e 1200 micras, idealmente um
pouco mais fina para as fases iniciais e mais grosseira para as fases finais) e
mais fina para suínos (350 a 450 micras para leitões
e demais fases entre 500 e 700 micras). Quando a ração é peletizada, há um
conflito nas rações para aves, pois, para fazer pellets de qualidade, a granulometria recomendada é mais fina (< 700 micras, porque quanto mais fino for o tamanho das
partículas, maior será a superfície de contato e maior será a ação do vapor,
intensificando as reações físicoquímicas e melhorando
a qualidade dos pellets). No entanto, como obtenção da
qualidade dos pellets torna-se difícil com as formulações usadas no Brasil e em
linhas de alta produção, há uma corrente que defende uma moagem mais grosseira,
para não perder a vantagem desta para aves (proteger a moela e o sistema
digestivo como um todo), mesmo que isso prejudique ainda mais a qualidade dos
pellets. Em função dessa problemática, encontram-se três correntes
(especificações) distintas no mercado para processos de peletização
para aves: (1) os que decidem moer mais grosso, mesmo piorando os pellets (850
a 1200 micras); (2) os que buscam moer mais fino e
fazer pellets de melhor qualidade (até 700 a 750 micras);
e (3) os que decidem por uma granulometria
intermediária (750 a 850 micras). Os desvios, em
geral, não deveriam passar de 50 micras para cima ou
para baixo.
b.
Amostragem e frequência de análise: A granulometria é afetada (1) por desgastes normais nos
martelos e peneiras e (2) por causas especiais como furos e deslocamentos de
peneiras. A primeira é previsível e não varia muito entre linhas de moagem. A
segunda varia muito entre linhas. Linhas com sistema de retirada de impurezas
metálicas deficientes tendem a ter muitos problemas, e a frequência
de monitoria deve ser bem maior. Para a primeira causa, sugere-se coletar e
analisar amostras em laboratório na frequência de
duas a três vezes por semana. Já para monitorar as causas especiais,
recomenda-se uma frequência bem maior (fazer testes
rápidos a campo, manual e visualmente, com o uso de uma peneira). Nesse caso, a
frequência deve ser estabelecida em função da
intensidade das anomalias observadas (2 em 2 horas; 3 em 3 horas, etc., de
acordo com a frequência de anomalias encontradas).
c.
Moinhos incompletos: Esse é um problema comum encontrado nas fábricas. Um
moinho completo é composto por (1) um alimentador que tem basicamente três
atribuições: retirar as impurezas, distribuir corretamente o produto a ser
moído na câmara de moagem e maximizar o uso da capacidade do motor; (2) câmara
de moagem composta por eixo, rotor, martelos e peneiras, cuja função é reduzir
a granulometria; e (3) exaustão, cuja função é
auxiliar na retirada do produto já fino da câmara e ajudar no resfriamento do
produto. Observa-se que, em geral, os moinhos não são completos e assim
comprometem tanto a produtividade quanto a qualidade da moagem, afetando
negativamente a curva granulométrica = maior espectro (DPG).
d.
Manejo e manutenção: É muito comum verificarem-se problemas de manejo e
manutenção no sistema de moagem, ou seja, monitorias inadequadas no desgaste
dos martelos, dos espaçadores e das peneiras, o que igualmente afeta a
produtividade e a qualidade do produto moído.
3.4 – Dosagem:
principais desafios observados neste processo:
a. A
dosagem é um dos processos menos monitorados nas fábricas de rações e, quando
monitorado, em geral, é feito de forma ineficaz. Isso deveria ser reavaliado.
b.
Quando monitorado, normalmente é feito via conferência de inventários,
comparando o estoque físico com o teórico. Isso é importante, mas não
suficiente. Nesse caso, avaliamos somente as quebras/ganhos
médios em um período, e a média não é suficiente para avaliar processos.
É preciso ter um procedimento de avaliação dos desvios batch por batch e
ingrediente por ingrediente.
c. Em
termos de projeto, verifica-se um sistema não calculado e tão pouco baseado na
formulação. Em geral, o número de balanças é insuficiente, a distribuição dos
silos e matérias primas não é correta e o menor componente não é respeitado. A
determinação do número e do tamanho das balanças deve ser feita através da
"diagramação técnica" baseada na formulação atual e nas
possibilidades futuras. O menor componente que deve ser dosado numa balança,
para que se possa ter uma precisão melhor que 1%, é de 4% da sua capacidade.
Por exemplo, numa balança de 1.000kg, não deveria ser pesado menos que 40 kg. O
dimensionamento e a instalação dos elementos de dosagem muitas vezes também não
são adequados. Não é demais lembrar que o número de silos de dosagem determina
a flexibilidade da formulação.
d. A
regra do menor componente também deve ser observada na dosagem de líquidos e de
microingredientes, e isso, muitas vezes, não é feito,
gerando erros de dosagem acima do aceitável. Os líquidos são fontes importantes
de energia e aminoácidos e , se não dosados e
adicionados adequadamente, podem causar sérios problemas nutricionais.
e.
Observa-se com frequência que a limpeza e a
manutenção das células de carga e dos sistemas de suporte não são feitas na frequência e na intensidade necessárias.
f.
Os procedimentos de calibração e de aferição das balanças, raramente, são
adequados e suficientes. Um aspecto muitas vezes negligenciado, em especial em
pesagem de micro ingredientes, é a sensibilidade de escala.
g.
Com frequência, o sistema de despressurização
é inadequado; não se verificam os riscos de vazamentos nas comportas; balanças
e pulmões não são autolimpantes; e descargas muito
demoradas.
3.5 – Mistura/desmistura e adições:
Principais
desafios observados neste processo:
a. Atualmente,
um dos maiores desafios é encontrar um método de avaliação da qualidade de
mistura que não tenha restrições técnicas. O método de análise com violeta de
metila não apresentava restrições técnicas. Mas, em função de riscos à saúde, a
violeta de metila foi proibida na Europa. Os demais métodos apresentam
restrições e podem ser questionados. Portanto, é preciso encontrar-se um método
aceito pela comunidade científica e pelos usuários.
b.
Ter uma qualidade de mistura boa é fundamental, em especial para animais
pequenos. Obter um coeficiente de variação de 5% com um determinado traçador (tracer), por exemplo, significa, na prática, que,
em cada 10 gramas de ração, teremos todos os ingredientes que se misturam tão
fácil ou mais facilmente que o tracer utilizado. Por
isso, é tão importante usar o tracer adequado.
c.
Ainda há muitos misturadores de capacidade de mistura questionável, e isso pode
comprometer os resultados zootécnicos, uma vez que é sabido que o desempenho
dos animais nos primeiros dias de vida tem reflexos em toda sua vida e no seu
desenvolvimento (desempenho).
d. A
partir do misturador, as preocupações com a contaminação cruzada começam com
maior intensidade, pois, a partir dele, todos os micro e os macro ingredientes
estarão adicionados, inclusive medicamentos. No misturador, há dois riscos
potenciais de contaminação cruzada, quais sejam: (1) resíduo de fundo e (2)
vazamento na comporta. Ambos são potencialmente muito danosos, pois, no
processo de mistura, as partículas menores e com peso específico maior tendem a
percolar e descer ao fundo. Se tiver onde se
depositar ou escapar, é isso que vai acontecer. Como as partículas dos microingredientes (micronutrientes e fármacos) se encaixam
nessas características, as consequências dessas
anomalias são muito prejudiciais tanto sob o ponto de vista nutricional quanto
do ponto de vista da contaminação por riscos químicos. Como padrões para esses
dois fatores, pode-se recomendar (1) o resíduo de fundos do misturador não deve
passar de 0,2% da capacidade do misturador (base SFT – Swiss Institute of Feed Technology
e também na IN 65, que determina 1% de contaminação cruzada máximo, sendo assim
atribuído, como regra geral, para o misturador 0,2% do
1% total) e (2) o vazamento de comporta deve ser zero. Esses pontos críticos
devem ser diagnosticados e verificados com frequência
nas fábricas, pois são potencialmente muito danosos e podem comprometer com
maior ou menor intensidade os resultados, dependendo da força e da frequência com que acontecem.
e. O
aterramento do misturador é muito importante, pois o misturador ligado gera eletrostaticidade, e essa afeta vários
ingredientes da ração, que são atraídos contra a parede e contra os elementos
de mistura. Essa eletrostaticidade é eliminada ou
reduzida através da instalação de terra (aterramento) e o padrão máximo deve
ser três ohms. Quando a análise da qualidade de mistura é feita com um traçador metálico ou sensível à eletrostaticidade,
o resultado é afetado se o misturador não estiver devidamente aterrado. Nesse
caso, a recuperação do tracer é baixa.
f.
Hierarquia das adições e tempo de mistura seca: Esse aspecto é muito importante
e com frequência encontram-se não conformidades. O
tempo de mistura seca é fundamental para a qualidade da mistura e para a obtenção
de um CV baixo. Os tempos das adições variam de misturador para misturador e,
por isso, não existe uma regra geral exata. O correto é diagnosticar os tempos
certos para cada misturador através de testes, determinando a curva da mistura.
No entanto, pode-se referendar alguns tempos que, em
geral, são próximos aos mais encontrados e recomendados – Tempos: (1)
colocar todos os macroingredientes secos no
misturador; (2) 0 a 10 segundos depois, adicionar os microingredientes
secos; (3) deixar misturar durante uns 60 segundos antes da adição dos líquidos
– esta mistura seca é muito importante e é decisiva no CV; (4) adicionar
os líquidos (teoricamente nunca deveria exceder 60 segundos); (5) aguardar um
tempo de mistura final de 45 a 60 segundos com todos os ingredientes sólidos e
líquidos e (6) o tempo de descarga do misturador deve ser entre10 a 30
segundos. Obs.: Estes tempos são para misturadores horizontais convencionais.
Nos misturadores speedmix, estes tempos podem ser
diferentes e menores.
g.
Adição de líquidos: É muito raro encontrar um sistema de adição de líquidos
adequado no Brasil. Recomenda-se que sejam observados os seguintes requisitos:
(1) filtragem ou peneiramento das gorduras, em especial as de origem animal,
para a retirada de todas as partículas maiores que 80% do tamanho do furo do
bico. A maioria das fábricas não consegue usar bicos de aspersão no misturador
porque não faz essa operação de filtragem; (2) o uso de bicos é fundamental
para uma boa distribuição e mistura dos líquidos, e o tipo leque plano é
recomendado; (3) a pressão de injeção é importante e, em geral, varia de 2 a 6 kgf/cm² - para gorduras,
recomenda-se pelo menos de 4 kgf/cm²;
(4) a lisina e a colina devem ser adicionadas de forma sequencial
ou de forma que os jatos não se cruzem, pois há indícios de que, em contato,
possam gerar uma reação indesejada; (5) deve ser observada uma distância da
instalação das linhas de adição de líquido da ração no misturador de forma que
seja suficiente para formar o leque de 50º; (6) os jatos devem ser em forma de
leque plano e se cruzarem levemente ou pelo menos chegar próximos uns dos
outros e (7) a menor quantidade de líquidos a ser adicionada no misturador deve
ser respeitada (1 litro/ton).
h. O
menor componente a ser adicionado no misturador sem ser pré- misturado (500
gramas/ton) muitas vezes não é respeitado. Este
componente não será devidamente misturado e isso terá potencial de prejudicar a
nutrição.
i.
Diagnosticam-se, em alguns casos, problemas na questão do enchimento do
misturador. O enchimento deve ser uniforme e, no máximo, cobrir levemente o helicoide externo ou as pás. Quanto ao enchimento mínimo,
em misturadores horizontais com helicoides, a ração
deve passar por cima do eixo (>60% da capacidade), e, em misturadores de
pás, o enchimento mínimo deve ser de pelo menos 20%.
3.6 – Peletização:
Como
o tema peletização é muito extenso e complexo, não
será abordado em detalhes neste texto. Não serão abordadas questões
operacionais, e sim os principais efeitos e pontos considerados críticos e
fundamentais para maximizar os resultados desejados e minimizar eventuais
efeitos danosos que podem ser gerados neste processo para a nutrição e
desempenho animal.
Definição
e medição dos principais itens de controle de qualidade, seus padrões e desvios:
3.7 –
Contaminação Cruzada:
Tecnicamente,
a contaminação cruzada sempre foi uma grande preocupação nas fábricas de ração,
mas nem sempre monitorada e controlada com a devida necessidade. Isso foi reforçado
com a IN 04 e, em especial, com a IN 65. Consideram-se os seguintes principais
pontos críticos com potencial de gerar contaminação cruzada numa fabrica de
rações:
a. Ensilamento de macro e microingredientes:
Os erros mais comuns são nos acertos de rota. Risco maior quando a operação é
manual. Por isso, recomenda-se ter um procedimento operacional bem descrito e
com registros de todos os ensilamentos realizados.
b.
Vazamentos em interligações (registros, caixas, etc.): É preciso ter um plano
de monitoria com registros.
c.
Silos, "pulmões" e transições mal desenhados: Problemas de desenho
nos ângulos, nos reforços internos, no sistema de descarga, nas transições,
etc., não deveriam existir.
d.
Transições e tubulações mal desenhadas e uso de curvas e presilhas.
e.
Misturador: Resíduo de fundo acima do recomendado e vazamento na comporta.
f.
Tempo de esvaziamento de rotas não devidamente observado ou "setados".
g.
Dosagem errada, em especial de microingredientes.
h.
Uso de ingredientes de baixa inclusão sem pré-misturar (respeitar no mínimo 500
gramas/ton).
i.
Troca de fórmulas, de embalagens e rótulos (má identificação).
j.
Carregamentos errados, vazamento entre compartimento e resíduo de fundo em helicoides de descarga de caminhões
b.
Máquinas e equipamentos de transporte: Transporte não agrega valor e somente
custos. Não melhora produto e é risco de piora. Portanto, o transporte em todos
os processos deve ser minimizado. Mas, quando impreterivelmente necessário,
deve ser feito com equipamentos seguros e autolimpantes.
O que se verifica na prática, mesmo em fábricas novas e em reformadas recentes,
é que algumas empresas continuam a instalar roscas transportadoras e outros
equipamentos não autolimpantes. Compreender o
conceito de autolimpeza e usar equipamentos adequados
é muito importante. Em tese, uma recontaminação de
1%, conforme exigido por lei no Brasil, para um princípio ativo que é
adicionado em 200 gramas por tonelada, 10 kg de ração, com este princípio ativo
e nesta concentração, é suficiente para recontaminar
em 1% uma tonelada de ração que será produzida na sequência.
Portanto, nesse caso, todo o sistema de transporte e de
interligações (pulmões, transportadores e transições) não deveria reter mais de
10 kg de ração, para cada tonelada do batch, desde a moega de adição do
princípio ativo no misturador até o último silo de expedição ou ensaque, e isso
não é tão simples assim.
4. Conclusão.
Pelo
acima exposto, um dos maiores desafios das fábricas de ração, para que não
comprometam a nutrição e consequentemente o
desempenho zootécnico e econômico da produção animal, passa por uma maior
valorização do pessoal que trabalha nos processos de fabricação de ração e premix. Essa maior valorização exigirá, necessariamente,
uma oportunidade de maior qualificação tantos nos aspectos técnicos, quanto nos
gerenciais.
A
maioria das causas dos erros de processamento e não atendimento das
especificações das rações é devida a erros de projeto.
Por isso, os processos precisam ser devidamente projetados, ser constituídos de
boas máquinas e equipamentos e ser minimamente automatizados.
Uma
vez os processos bem concebidos e constituídos, precisam ser gerenciados,
baseados em fatos e dados. A ausência ou deficiência de indicadores (padrões e
desvios) e sua adequada monitoração e gestão é outro importante risco
potencial.
Para
aqueles que compartilham que existem mais de 250 pontos críticos de processo
capazes de afetar a qualidade da ração e que podem ter efeito sobre o
desempenho animal, poderiam, num primeiro passo, verificar quantos estão sendo
efetiva e adequadamente monitorados nas fábricas onde trabalham.